Com a chegada da crise causada pelo COVID-19, vieram as preocupações com a sobrevivência de bares e restaurantes e a necessidade quase que instantânea de se reinventar e reestruturar suas operações para poder continuar de portas abertas.
Chefs e donos de restaurantes procuraram soluções criativas para “driblar” as dificuldades.
Inicialmente, tomando todas as precauções de higiene do local e redução de mesas no salão, adaptaram suas operações para atender o delivery e também criaram as campanhas solidárias para amparar não só seus próprios restaurantes, mas também parceiros, fornecedores, funcionários e pessoas que se encontram mais vulneráveis nesse momento.
Dentre as preocupações desses chefs e donos de restaurantes destacam-se:
- Manter suas equipes – sem demissões;
- Recuperar o giro do restaurante – com o delivery;
- O compromisso com os fornecedores – que dependem do consumo daquele restaurante
- A privação da caixinha – que compõe boa parte da renda dos funcionários – já que poucas plataformas de entrega que tem opção de adicionar a gorjeta para o restaurante
- Dificuldade de como fidelizar o cliente – cativá-lo nesse momento será uma garantia de mantê-lo pós pandemia.
Nesses últimos dias tenho visto movimentos que trazem um pouco mais de esperança para amantes e profissionais do ramo nesse momento tão complexo.
O Blue Cookie por Evvai é um exemplo: a iniciativa do chef Luiz Filipe Souza direciona o lucro da venda dos cookies para integrar a “caixinha” dos colaboradores, já que com os salões fechados a arrecadação do serviço que compunha a caixinha dos funcionários ficou paralisada.
Outro projeto foi do chef Cesar Costa, do restaurante Corrutela. Para poder ajudar os pequenos produtores, que dependem do volume consumido pelos restaurantes – que neste momento diminuiu significativamente, o chef construiu uma ponte entre produtor e consumidor criando cestas de produtos frescos e orgânicos, vindos direto de fazendas desse segmento, além de chocolates produzidos no próprio Corrutela, que são entregues através de aplicativos de delivery.
A Campanha #tamojunto também foi criada durante a pandemia pelo chef Marcos Livi. Para buscar manter os empregos de seus funcionários e continuar comprando de seus fornecedores, vouchers são oferecidos com um acréscimo entre 20% à 40% no valor e podem ser revertidos em consumação nos restaurantes C6 Hamburgueria, Napoli Pizzaria, Padoca do Brique, Verissimo bar, Distrito Urbano e Quintana bar, todos disponíveis para delivery.
Já a Corrente do bem é uma iniciativa criada pela chef Morena Leite, em uma parceria do instituto Capim Santo com o Capim Santo Solidário. A chef reuniu funcionários, ex-funcionários e voluntários para produzir uma média de 1.300 marmitas por dia para serem distribuídas em instituições de caridade, hospitais e parte da comunidade local. Grandes marcas e pessoas físicas de São Paulo, Rio de Janeiro, Trancoso e Itacaré auxiliaram com doações de alimentos e verba.
Mas será que esses movimentos são atitudes isoladas devido à situação atual ou uma tendência?
Há mais ou menos seis anos acompanho as mudanças do mercado gastronômico e na minha experiência as melhores fontes de novas informações e conhecimentos foram os eventos que participei, como Mesa Tendência, organizado pela Prazeres da Mesa e os seminários do Fru.to.
Por esses eventos descobri novos chefs, fornecedores, micro produtores, pesquisadores e outros profissionais que realmente prestam um trabalho significativo nesse ramo.
Cada vez mais a gastronomia no Brasil me parece sustentável e solidária, não no sentido de caridade, mas no sentido de conectar profissionais que trabalham com diferentes fases do alimento; na conscientização sobre o uso de ingredientes locais fornecidos por micro produtores; a apreciação da mão de obra nas cozinhas, que não procura apenas um emprego que pague bem, mas um sonho para compartilhar; além de dividir valores e ideais.
É intensificada a percepção de que progressivamente os clientes procuram não somente um restaurante que sirva uma comida gostosa, mas uma experiência única e ao mesmo tempo podem apoiar empresas com atitudes sustentáveis.
Daí em diante enxerguei essa geração de chefs e novos chefs chegando como ativistas de uma nova cultura gastronômica, transformando o trabalho do chef de cozinha em algo muito mais abrangente do que criar, precificar e reproduzir um menu de qualidade.
Fica claro para mim que a gastronomia no Brasil está evoluindo e destacando-se internacionalmente devido à essa cadeia de profissionais que lutam por uma cozinha mais sustentável, democrática e revolucionária e fazem isso muito antes de ter surgido essa crise.
Os exemplos citados são reflexos de uma cultura gastronômica, que já existia e continuará existindo, acredito que potencializada quando a pandemia passar.